No dia 29 de agosto, jornais da Argentina trouxeram relatos da conversa ocorrida na véspera entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Economia daquele país, Sergio Massa, no Palácio do Planalto. Candidato do peronismo à sucessão de Alberto Fernández, Massa esteve no Brasil, no dia 28, para tratar de outro empréstimo, de US$ 600 milhões, com o objetivo de financiar exportações.
Lula disse ao ministro, de acordo com o candidato, que enviaria pessoas de sua equipe à Argentina, com o objetivo de ajudá-lo na campanha “para parar a direita”. As eleições na Argentina estão marcadas para o próximo dia 22.
Quem contou aos repórteres o diálogo com o presidente foi o próprio Massa. Em conversas reservadas, diplomatas do Itamaraty se queixaram do vazamento.
“Um gênio, Lula. Ele prometeu que nos ajudaria a vencer (Javier) Milei”, disse o ministro da Economia argentino a seus companheiros, durante voo de volta a Buenos Aires, segundo reportagem publicada no jornal La Nación, em 29 de agosto, assinada por Jaime Rosemberg.
“Como isso ajudaria a se materializar? Participantes do encontro, no qual foram discutidos ’80 por cento de política e 20 de economia’ (…) confirmaram que Lula ofereceu a Massa “nosso povo” em matéria de comunicação ‘para evitar que a direita ganhe e voltemos quarenta anos’, em óbvia referência ao candidato libertário Javier Milei”, escreveu o jornalista.
Ao citar como foi sua campanha do ano passado com o ex-presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, Lula afirmou: “Milei é um louco, pior que o Bolsonaro.” O presidente observou, ainda, que era necessário envidar todos os esforços para a vitória de Massa. “É preciso vencê-lo para que o Mercosul continue”, disse o petista, de acordo com o La Nación.
“Seguindo à risca o pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cada dia mais preocupado com o resultado da eleição presidencial argentina, estrategistas vinculados ao PT que desembarcaram em Buenos Aires após as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), realizadas em 13 de agosto, para reforçar a equipe do candidato peronista Sergio Massa, ministro da Economia do governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, estão correndo contra o tempo para impedir a vitória da extrema direita no país”, diz trecho da reportagem, assinada por Janaína Figueiredo, correspondente do jornal em Buenos Aires.
O marqueteiro Sidônio Pereira, responsável pelos programas de TV de Lula, no ano passado, chegou a ser convidado para trabalhar na campanha de Massa, mas não aceitou por considerar que o tempo era curto. A informação foi revelada por O Globo e confirmada pelo Estadão. A assessoria do PT diz que o partido “não indicou nem intermediou atuação de qualquer pessoa em campanhas políticas em outros países”.
Ainda no dia 29 de agosto, o jornal argentino Página 12 trouxe relatos da conversa entre Lula e Massa no Planalto, contados pelo próprio candidato.
“Faça o que você tem que fazer, mas vença”, afirmou o presidente, de acordo com o ministro da Economia argentino. “Deixe de juntar dólares e junte votos. Vocês têm que vencer pela integridade do Mercosul. É sua responsabilidade vencer”, completou Lula, de acordo com a reportagem do Página 12, assinada por Melisa Molina, sob o título “Tudo o que Lula disse para Massa”
O Página 12 descreve, ainda, como foi a conversa entre Lula e o candidato apoiado pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, sobre um dos empréstimos do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
“Em outro momento central da conversa entre as delegações argentina e brasileira, falaram, é claro, do acordo que haviam alcançado com a CAF, que dará garantias ao acordo de US$ 600 milhões para financiar exportações do Brasil para a Argentina. ‘Presidente, depois de nove meses, encontramos a solução para um problema’, disse-lhe Massa”, segundo o Página 12.
Dois empréstimos diferentes
O empréstimo citado não é o mesmo daquele de US$ 1 bilhão, feito pelo CAF à Argentina e revelado pelo Estadão. O financiamento de US$ 1 bilhão, aprovado por 20 dos 21 países-membros do CAF – com voto contrário do Peru – foi concedido para que a Argentina, sem dólares na praça, pudesse receber uma parcela de US$ 7,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O governo Lula divulgou, em 28 de agosto, que uma cooperação entre o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o CAF poderia garantir um acordo de exportações ao país vizinho.
“A iniciativa ainda precisa de aprovação do conselho gestor do CAF, que se reunirá no dia 14 de setembro”, assinalou texto publicado na página oficial do governo, naquele dia. O empréstimo não saiu do papel, porém, porque, de acordo com o Ministério da Fazenda, nem a Argentina nem o CAF apresentaram uma proposta estruturada.
A reunião de Lula com Massa também contou com a presença do embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli; dos secretários da Indústria, José Ignacio de Mendiguren; da Agricultura, Juan José Bahillo, e da Energia, Flavia Royón. Do lado brasileiro estavam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; o ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, além de um representante do Banco do Brasil.
Segundo relatos da delegação argentina, Celso Amorim estava “louco” com a ascensão de Milei e a possível vitória do candidato de extrema-direita nas eleições de 22 de outubro.
“Amorim ainda conversou por telefone, no local, com Roberto Lavagna, ex-ministro da Economia que Lula elogiou durante o encontro”, contou o La Nación. “A conversa também girou em torno da conveniência de prestar ‘mais atenção’ ao mundo árabe”, disse trecho da reportagem, ao destacar que em 14 de setembro haveria uma reunião da diretoria do CAF, em Madri, onde seria definida a incorporação de novos países.
O jornal também destacou que a preocupação com o fenômeno libertário representado por Milei não surgiu de repente na cabeça de Lula.
“Há dois anos, em reunião que (Daniel) Scioli teve com ele em sua casa, o brasileiro se interessou e pediu ao embaixador que lhe enviasse um discurso de Milei”, relatou a publicação. “Disse-lhe que estava estudando esses fenômenos na região e no mundo e que estava preocupado com a grande mudança nas sociedades dos últimos tempos”. Ainda de acordo com o La Nacion, Lula disse a Scioli: “Não devemos negar a aparência desses personagens, mas, sim, compreendê-los”.
Procurada, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência não confirmou o teor da conversa entre Lula e Massa. O Estadão apurou que o presidente não quis gravar, naquele dia, vídeo para a campanha do ministro da Economia argentino.
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